O padre Francisco Miguel relata que na sua infância, não tinha nada, e há quem diga que ainda não tem. Mas, segundo ele, tem muito.
Francisco nasceu em uma favela de SP, em um barraco, sem ao menos água encanada. O extremo da pobreza financeira fez com que ele ficasse sozinho no mundo. As chamas de um incêndio que tomaram conta de um dos orfanatos por onde passou, queimou a certidão de nascimento dele e de alguns colegas.
Pequeno, com medo e sem ninguém, Francisco não se lembrava do sobrenome que tinha. Ele recebeu o nome fictício de ‘Miguel’ para complementar seu registro e conseguir refazer documentações.
Depois de 65 anos, ele diz não sentir falta de um amontoado de letras na sequência do nome, mas sim o afago de uma mãe ou, simplesmente, jogar bola com um pai.
Primeiro sacerdote negro
Nesta terça-feira, 4 de agosto, data em que é celebrado o Dia do Padre no Brasil, o G1 contou a história de Francisco Miguel: o primeiro sacerdote negro ordenado por Dom Pedro Fedalto, que foi arcebispo da capital paranaense de 1970 a 2004.
“Ele era tão querido que não coube o povo na capela do salão do patronato, onde ele escolheu para ser ordenado. Sempre muito humilde, muito esforçado e fiel. Tenho admiração e louvor por ele”, afirmou Dom Pedro.
Conforme a arquidiocese, na época não era comum a presença de negros no sacerdócio, sendo Francisco o provável segundo padre negro na história da arquidiocese da capital. O primeiro foi Eurípedes Olímpio de Oliveira e Souza, ordenado em 1916 e falecido em 1958.
O padre Francisco relembra também que peregrinou entre um orfanato e outro, idas e vindas de São Paulo para o Paraná. Morou em muitas cidades, como Paranavaí, Conchas (SP), Ribeirão Claro, Curitiba, além de cidades metropolitanas da capital.
“Quantas vezes chorei, passei raiva, questionei porque os outros tinham família e eu não. Pequeno, ninguém me queria porque eu era negro, depois, porque eu já era grande. Crescer por si e não se abater é a maior das vitórias. Minha vida é minha maior riqueza”, afirmou o pároco.
Francisco só tem fotos de sua vida depois de adulto. Uma das poucas recordações que só, atualmente, conseguiu resgatar é um folheto de lembrança da missa de sétimo dia da avó Flora, que chegou a cuidá-lo quando era bebê.

Francisco Miguel foi ordenado diácono em 28 de fevereiro de 1988 e passou por mais de seis paróquias, até chegar na comunidade em que celebra atualmente, a Nossa Senhora do Rosário de Belém, no bairro Cajuru.
“Considero Dom Pedro como o pai que eu nunca tive. Devo muito a ele. Nesse ano completei 32 anos como padre”, comentou.
Em 2010, em um domingo de Páscoa, durante um batizado, uma mulher procurou o padre dizendl ser prima de algum grau dele. Segundo Francisco, as informações que ela contou, com as raras que ele ainda lembrava ou descobriu durante a vida, estavam certas.
“Foi um susto bom. É bom encontrar alguém que conheça um pouco da minha história lá trás. Mas, nessa altura do campeonato, nem vale a pena ir atrás para confirmar mesmo. Na idade em que eu estou, não é mais isso que importa”, disse ele.
Coincidência ou não, o sobrenome da família da mulher era Berthier, de origem francesa, assim como o do sobrenome da avó dele, Flora.
Atualmente, devido à pandemia, Francisco celebra missas e terços online e afirma se sentir completo.
“Nunca, nunca, nunca abaixe a cabeça. Seja você o próprio impulso. É importante ter ao lado pessoas, mas só você pode transformar sua vida. Nenhum sobrenome me daria nada além do que eu mesmo conquistei”, concluiu.
Fonte: G1
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